terça-feira, 6 de outubro de 2009

Filha adotiva

Nasci do ventre de Caxias do Sul, minha mãe legítima. E fui adotada por uma outra, cuja a alegria está até no nome.

Minha mãe adotiva se chama PORTO ALEGRE. E hoje ela completa 237 anos. Cada vez mais linda, cada vez mais acolhedora, mais carinhosa.

É bem verdade que alguns de seus filhos (adotados como eu, ou legítimos), não tem cuidado muito bem dela. Mas há outros tantos que se preocupam com seu bem estar e cuidam dessa velhinha com atenção e respeito que ela merece.

Desde que cheguei e recebi dela um abraço terno e forte, passei a amá-la e dedicar-me a ela como filha de uma mãe verdadeira.Eu te amo, Porto Alegre!

E desejo que teus longos anos que estão por vir, sejam de mais beleza, de cuidados especiais e de muita, muita alegria, MEU PORTO.

Um torrão

Um lugar pode ser mil coisas. Ter diversos significados. No último sábado estive num lugar assim. Pode parecer estranho e até ser engraçado. Fui à Feira do Largo Zumbi dos Palmares, comprar frutas, verduras, legumes... e entre cheiros e coloridos lembrei de passagens tantas daquela parte da capital dos gaúchos.


A Cidade Baixa. Ou o Arraial da Baronesa, Emboscadas, Areal da Baronesa e Ilhota, antigos nomes desse mesmo território que produziu Lupicínio Rodrigues e Tesourinha.

Recanto que abriga “gente da noite que não liga preconceito”.

Habitei anos, muitos anos por lá. Recebi guarida, fui abraçada em Porto Alegre pela Cidade Baixa. Me tornei componente, peça, parte complementar do Bairro e ele de mim.


Conheci cada pedra daquelas calçadas, das ruas largas e das estreitas, dos casarios e arranha-céu.

Na Cidade Baixa há o encontro do moderno e do antigo. Do samba-canção e do rock in roll. Dia e noite, sol e lua.

Arquiteturas, saudade e sonhos trazidos das Ilhas de Bruma, para jazer no Porto mais alegre do Brasil.

Paralelo 30

Esse chão por onde trilho todos os dias já foi terra dos índios Guaranis. Um tal de Jerônimo de Ornellas Menezes e Vascon-celos, um cara que foi cantado por Kleiton e Kledir, que lá no século 17 resolveu se estabelecer por essas bandas, iniciou a propagação desse território.

Porto de Viamão, Porto do Dorneles, Porto dos Casais, Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, ou hoje, simplesmente Porto Alegre.


E não é para menos... Porto que leva e traz alegrias. Porto que me conquistou.

Quando cheguei aqui, era um tempo em que a cidade vivia grandes transformações no seu jeito de ser, de pensar, na sua aparência e fundamentalmente na elevação da sua auto-estima. Uma nova época acendia para Porto Alegre e para mim também, por isso as mutações que advinham da cidade se processavam em mim, igualmente.


Se Porto Alegre fosse comparada a uma mulher, eu descreveria que naquele momento em que a encontrei, em 1992, ela estava se reafirmando independente depois de separar-se de um casamento frustrado com um marido bêbado e violento. Exatamente. Porto Alegre, assim como o Brasil inteiro, saiu muito feia, muito sofrida, muito escarnecida do malfadado casamento de 20 anos com a ditadura militar.

Precisava dar um “up” na sua aparência, precisava mudar seu comportamento, tomar pra si a nova era de liberdade.


E ela o fez como fazem as mulheres que conseguem se recobrar de cônjuges perversos. É bem verdade que foram necessários alguns anos de terapia, estudo, academia, estética, salão de beleza e pronto. Era uma nova mulher, pronta para a nova vida.

Como foi bom viver tudo isso junto com Porto Alegre. Claro que ela teve lá suas recaídas. Mas atire a primeira pedra quem nunca às teve.


Viver nessa cidade é ser arrebatada ao ver o sol penetrando com sensua-lidade e múltiplas cores nas águas do Guaíba aos finais de tarde. Viver aqui é conviver com o congraçamento do urbano e do rural, da terra e da água, da planície e da montanha, do inverno e do verão em uma simbiose que só Porto Alegre tem.


É se perder entre mil ruídos e efígies no Largo Glênio Peres. É abstrair toda a fábula das noites pelas ruas da Cidade Baixa. É a vibração ímpar produzida pelos grenais. É laborar com maestria nas manufaturas da Zona Norte. Também é recolher do chão o sustento pelas propriedades do Belém Velho. E é contemplar os encantos do rio pela Zona Sul.

Ah, Porto Alegre é tanta coisa...

Batismo de Ouro

Exatamente no meu segundo dia de estada em Porto Alegre, em 1992, um amigo que se perdeu por aí, conhecido por Tiganá, ou simplesmente Tiga, ao me recepcionar na capital me levou para conhecer um bar em Porto Alegre.

Tiganá sabia que eu era uma amante da boemia, da seresta, do samba dos bons, por isso ele me levou para conhecer o Bar Adelaide’s. Mera coincidência, eu havia ido morar a uma quadra do mesmo.


Por acaso hoje encontrei um texto de um dos mais compe-tentes jornalistas da capital falando justamente desse bar.

Diz Fernando Albrecht: “Um dos bares mais fascinantes que Porto Alegre teve foi o Adelaide’s, que ficava no Centro de Porto Alegre, na Marechal Floriano, trecho entre a Jerônimo Coelho e a Duque de Caxias. Surgiu na segunda metade dos anos 1960. A dona, Adelaide, abriu o despretensioso local como um bar-chope. Não tinha nem toalhas nas poucas mesas. Menos de três anos depois, virou o templo da seresta e boemia. Sem nenhuma combinação prévia, aos poucos começaram a frequentá-lo Lupicinio Rodrigues, o ex-pugilista e cantor Johnson, Plauto da Flauta, Mário Barros do violão sete cordas, o saxofonista Marino, o compositor e cantor Alcides Gonçalves e tantos outros cobras. Era um time de primeira que ia lá quase todas as noites”.

Claro que quando eu conheci o lugar ele já não mais pertencia à dona Adelaide, que morreu nos anos 80. Pertencia a um cara chamado Lafaiete, um típico dono de bar bonachão.


Foi nessa mesma noite que eu ouvi pela primeira vez uma música que jamais olvidei, chamada Porta Estandarte, interpretada pelo meu querido amigo Cauby Silveira (que conheci antes, quando ainda morava em Caxias do Sul), dono de uma voz incomparável e violinista talentoso, filho de outro grande artista que essa terra já produziu, o Cauby do Violão.

E, depois daquela noite de batismo pela mais pura batucada dos nossos tantãs, repetidas noites passei pelo Adelaide’s onde tive a alegria de conhecer muitos dos grandes nomes da boa MPB gaúcha.

Aprecie com moderação!

Os italianos são conhecidos no Brasil por suas excelentes iguarias. Os italianos de São Paulo são craques nas massas. Pizza melhor que a servida em São Paulo é quase impossível encontrar.


No Rio Grande do Sul eles também estão em grande número. E também por aqui fazem muito sucesso nos restaurantes.

Eu não sei exatamente o motivo, se é porque são de distintos locais da Itália, ou qualquer outro motivo, mas o fato é que os temperos dos italianos paulistas e dos italianos gaúchos são diferentes – não obstante ambos são deliciosos.

É na Cidade Baixa, palco de boa parte dos melhores cardápios em preços acessíveis de Porto Alegre, que os italianos são encontrados as pilhas. A “picanha da casa” do Cotiporã é de comer rezando. O “parmeggiana” do Copão é inigualável em sabor. Para quem gosta de “ala-minuta” grande, gostosa e barata precisa ir ao Tudo Pelo Social. Há ainda a “lazanha” do Baby, que é magnífica.

Menciono esses, porém exemplos e variedades não faltam dessas casas onde os chef’s e os proprietários são os descendentes de italianos.


Entretanto, para fazer justiça, eu preciso falar sobre o Nicus. Eu morei “séculos” na Cidade Baixa. Qualquer dia falo mais sobre o recanto mágico que é esse bairro. Por agora, vou falar do Nicus.

Esse lugar, na Rua General Lima e Silva, em frente ao Zaffari, eu conheci logo que cheguei do interior, em 1992 e o estabelecimento era bem diferente do que é hoje. Os proprietários já eram o Jacir e o Renato. E a comida, bom: já era deleitável!

Durante os muitos anos que vivi naqueles arrabaldes, frequentava o Nicus porque ali sempre encontrava o melhor menu com o gostinho mais parecido com o paladar da minha terra – Caxias do Sul.


A qualquer hora se come muito bem no Nicus. Não se trata de nenhum prato peculiar. Trata-se daquela comidinha caseira. Por conseguinte, todos os pratos são especiais. Contudo, para mim, há um pormenor que só encontro no Nicus: o mais legítimo vinagre de vinho tinto, produzido nas colônias da serra gaúcha. Um sabor sem igual.

Hoje almocei no Nicus, depois de algum tempo que não passava por ali. Como é bom quando a gente se sente em casa. Nem preciso pedir. O garçom já sabe das minhas preferências e bastou eu sentar e ele já me ofereceu um recipiente com o vinagre que adoro.

O tratamento, a afabilidade que me é auferida pelo Jacir, o Renato e todos os seus garçons é realmente especial. Mas essa não é uma prerrogativa minha. É um privilégio de todos os clientes que frequentam o Nicus.